domingo, 27 de março de 2011

Minha mãe pós-mensalão



Reagi estranhamente quando, ano passado, minha mãe disse que iria votar na Marina Silva em vez da Dilma Rousseff. Ou melhor, votaria na Marina, mas, por algum motivo obscuro, ela ainda não transferiu seu título de eleitor, mesmo que já tenhamos nos mudado de Porto Alegre há cinco anos. Provavelmente, essa reação estranha se deveu a certa nostalgia, dos saudosos tempos em que a minha mãe era uma petista “praticante”, e que a nossa casa era muito semelhante a uma colônia esquerdista na Zona Sul portoalegrense.
O PT sempre esteve muito presente na minha família, sendo a minha mãe a maior expoente disso, pois ela acredita que todos devem ter uma ideologia, e, como ela tinha a sua, todos deveriam ter. Lembro que eu tinha um boné que fazia propaganda do Antonio Britto, acho que pelos idos de 1998. Esse boné tinha o nome do candidato (fracassado) à recém-criada reeleição, escrito em letras garrafais. Fiz um escândalo, pois não queria fazer propaganda de um político que eu não achava legal, então minha avó costurou um tecido preto em cima e minha mãe me comprou uma estrelinha do PT para colocar no boné. E eu saía bem feliz perambulando por aí com o meu boné muito maior que a minha cabeça. Quando voltei a morar com a minha mãe, em 2001, havia um clima meio pesado em Porto Alegre. Uma cidade com um prefeito petista (Tarso Genro, e, depois que este renunciou para concorrer ao governo do Estado, João Verle) , capital de um estado com um governador petista (Olívio Dutra), fazia parte de um país governado por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, um político de ideais completamente diferentes, de um partido com ideais mais diferentes ainda, e que, na época, tinha baixa popularidade que se mantém até hoje.
Tive um contato maior com a política do que outras crianças da minha idade, porque minha mãe era dedicada em mostrar-me as novidades e eventos ocorrendo ao redor do mundo, tanto que me lembro que ela me impediu de trocar de canal durante a queda do World Trade Center (que passava de manhã ao invés da TV Globinho). A mãe fazia roupas para a Sônia, secretária do então governador Olívio Dutra. Certa vez, enquanto a mãe conversava com a Sônia, se eu bem me lembro mostrando algumas amostras de tecidos sobre a mesa, eu estava discretamente sentado de pernas para o ar em uma das poltronas estilo Luís XV no outro lado da sala, bem perto da porta da sala do governador. Claro que o Olívio Dutra tinha que, naquele momento, sair da sala e me ver sentado de forma tão incomum (embora eu só me lembre de ter olhado para cima e ver um homem de terno, sem identificar que era o Olívio). Diz a mãe que o Olívio olhou com uma cara meio surpresa para a mãe e a secretária dele, e disse “Bom Dia”, e foi fazer alguma coisa. Se ele se divertiu ou ficou nervoso com a cena, não sei, mas posso afirmar que já aprontei em nível estadual. Mas, saindo do assunto molecagem e voltando ao assunto inicial, acho que o despertar da minha curiosidade sobre política foi em 2002, quando houve as eleições que levaram Lula, o torneiro mecânico e sindicalista, à Presidência da República. Lembro-me muito bem do dia das eleições, três de outubro. Eu segurava uma bandeira enorme do PT que a mãe tinha, e era trabalhoso segurá-la pela janela do carro, então eu subia o vidro e deixava uma fresta, onde eu colocava a bandeira para fora, e “prendia” o pau onde ela tremulava. A mãe me deixou “votar”, digitando o número dos candidatos para ela. Não me lembro direito em quem eu “votei” para deputado federal, mas acho foi no Raul Carrion, por insistência minha, pois tinha admiração inexplicável por ele na época. Também sem certeza, digo que “votei” no Estilac Xavier para deputado estadual. Só tenho certeza que “votei” no Paulo Paim e na Emília Fernandes para senadores, no já citado Tarso Genro para governador e Lula presidente. Entre os seis votos, três não tiveram o êxito esperado, pois o Carrion não foi eleito, assim como a Emília Fernandes. O Tarso chegou ao 2º turno, mas perdeu para Germano Rigotto (PMDB). Paim foi eleito, Estilac (ou outro, não tenho ideia) também, e Lula foi vitorioso no 2º turno das eleições, realizado no dia 27 de outubro. Esse dia foi incrível, um legítimo exemplo de união petista: quando um motorista petista via um carro com um adesivo ou bandeira do PT, buzinava, e ganhava uma buzinada de volta. Porto Alegre teve um dos dias mais barulhentos de sua bicentenária história.
Depois das eleições de 2002, houve certo período de “calma política” no meu apartamento, mas que não durou muito, pois logo em 2004 as eleições municipais ocorreram, e havia uma divisão explícita entre os portoalegrenses: Raul Pont (PT) ou José Fogaça (PPS)? Votar pela continuidade dos 16 anos de administração petista ou votar pela mudança? Muita gente que eu conhecia votou no Fogaça, inclusive minha amada professora Vera. Eu quase deixei de admirá-la, mas foi impossível. Claro que Pont tinha muitos admiradores, mas eu não me lembro deles agora, só de uma amiga minha, Mayrin, que criou uma frase que causou certo rebuliço dentro do ônibus escolar: “Raul na cabeça e Fogaça na bunda!”. Essa frase deixou nervoso o motorista (e votante do Fogaça) Ubirajara, mais conhecido como Tio Bira. Mas, como se sabe, apesar do Raul ter ganhado o 1º turno com certa diferença, houve uma “virada” no 2º turno e Fogaça foi eleito, acabando com a hegemonia do PT em Porto Alegre.
Em 2005, veio o baque chamado Mensalão. Não vou explicar o que foi o Escândalo do Mensalão, pois praticamente não há brasileiro que não saiba (e, se você inacreditavelmente não sabe, faça o favor de pesquisar). Eu tive certa dificuldade para entender tudo aquilo, queria aprender a lidar com todas aquelas palavras complexas, tive que descobrir o que significava a palavra “dossiê”. Muitos nomes apareciam na TV, era uma avalanche de Delúbio Soares, José Dirceu, José Genoino, Luiz Gushiken, João Paulo Cunha, José Adalberto Vieira da Silva, Roberto Jefferson, Daniel Dantas, Marcos Valério, José Janene, Valdemar Costa Neto, Duda Mendonça e etc. que caía de dentro da televisão, vinda do Jornal Nacional, para cima de mim. Aliás, o Mensalão foi o estopim de uma situação curiosa: minha mãe deixou de ser petista ferrenha. Não me lembro o que aconteceu, e nem ela, mas a nossa bandeira do PT e os broches de estrelinha desapareceram. Talvez isso tenha sido algo semelhante ao que a minha professora Miriam disse uma vez, que a maioria das pessoas tende a se “acalmar”, ideologicamente, entre outros aspectos, aos 40 anos.
De 2005 para 2011, já nos mudamos duas vezes. Minha mãe tem um concubinato duradouro (muita gente acha que concubinato e caso extraconjugal são a mesma coisa, mas na realidade significa união não-formalizada pelo casamento civil). O meu padrasto, Delmar, tem opiniões políticas muitíssimo diferentes das opiniões da mãe. O Dê (apelido do meu padrasto) é contra a reforma agrária, e a mãe é ferrenha defensora do fim dos latifúndios. O Dê defende o FHC, a mãe não o faz e nunca o fará. Ele, envergonhadamente, defende o Collor, e a mãe, algumas vezes desconfortavelmente, defende o Lula. Ele diz que o mandato do Lula só deu certo graças às medidas socioeconômicas do FHC, e a mãe diz que o Lula fez um bom governo por mérito próprio. A mãe e o Dê são como água e azeite, mas aqui em casa tem mais água, porque eu compartilho com a mãe a maioria das ideias e ideais dela.
Entendo que ela ficou decepcionada com o PT por causa dos escândalos de corrupção. Mas precisava perder a bandeira e as estrelinhas? Não precisava. Eu talvez não as usasse, mas eu as queria comigo. Questão de nostalgia.