terça-feira, 18 de março de 2014

Maude - pequenos exercícios de narrativa

Maude foi até a confeitaria da esquina para comprar croissants, ignorando a ordem médica de ficar longe de amido, glúten, açúcar, gorduras e comida saborosa. Pediu vários croissants, cada um de sabor diferente, e sentou-se em um banquinho do lado de dentro do recinto, temendo ser reconhecida por alguém na rua. Escondida do movimento popular nas calçadas, Maude se deliciava com os recheios grudentos e açucarados, comendo-os em poucas mordidas e um atrás do outro, assistindo um noticiário qualquer na televisão que estava sobre balcão. Entretanto, logo após comer em segundos o croissant de goiabada e já ter o de maçã e canela em mãos, Maude levou as mãos ao peito e caiu no chão. O confeiteiro correu para auxiliá-la, levantando-a com típica facilidade de um musculoso como ele, mas ouviu da apavorada Maude o pedido de silêncio, para levá-la a um táxi em absoluta discrição, e acompanhá-la na corrida ao pronto-socorro. Sem sequer tirar o avental, o confeiteiro pediu para seu marido cuidar do estabelecimento, fez sinal para um táxi por sorte vazio, e ajudou a senhora a entrar, para sentar-se ao lado dela no banco de trás. O taxista mal-encarado perguntou para onde iriam, e o confeiteiro disse, num tom grave e afetadíssimo, pra voar até o hospital.

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Fiquei só olhando para trás, pelo retrovisor. Estranhei muito quando aquela velha carcomida e aquela bicha pediram para entrar no meu táxi, e estranhei mais ainda quando ele me pediu para ir até o pronto-socorro, porque aquele caco velho estava passando mal. Liguei o rádio, para tentar afastar minhas dúvidas, quando o radialista comentou que a Elizabeth Taylor tinha morrido. Aí que fiquei chocado. Não com a morte da Elizabeth Taylor, aquela já estava muito mais pra lá do que pra cá, mas com a conclusão lógica da história do viadinho e da múmia no banco de trás: parecido com a história da vida da Taylor, a velha estava morrendo, e o afetado devia ser o marido dela, só esperando ela morrer para pegar todo dinheiro da defunta e fugir para chiar e dar o rabo na França, aquele país onde todo mundo chia e dá o rabo. Claro que pensei em chegar no hospital e, depois de encaminhar a velha na emergência, arrebentar o boiola a paulada. Mas aí pensei o lógico, né? Se eu falar alguma coisa para o puto, é capaz de ele me matar, ou pior, me comer o cu, olha o tamanho dele. Larguei os dois, recebi uma nota de cinquenta da velha e me fui embora rápido, sem dar o troco. Ora, o viado vai nadar no dinheiro agora, o troco não vai fazer falta.

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- O que houve com a dona Maude?
- Ela estava comendo croissants na minha confeitaria, quando desmaiou.
- Ora, dona Maude! Eu lhe proibi de comer croissants e comidas tão calóricas! O que deu na senhora?
- Não foi do croissant, doutor. Não foi não.
- Claro que foi, dona Maude. Assim a senhora quer se matar de infarto e me matar de susto!
- Ora, não foi do croissant, eu disse! Foi coisa pior.
- O que foi, dona? Tinha algo no meu croissant?
- Não.
- Então?
- A Elizabeth Taylor morreu! O que será de mim agora?
- Não entendi, dona Maude. O que tem isso a ver?
- Doutor, ela me apresentou o croissant quando era faxineira. Eu tinha um trato de jogar fora todos os vidrinhos de remédios dela no set de Cleópatra, e ela me dava croissants em troca! Ela me apresentou uma alegria que eu nunca tinha sentido, eu vou comer croissants até morrer!
- Dona Maude, a senhora está proibida de comer croissants. Rapaz, por favor, leve dona Maude para casa, e fale para a filha dela que ela está proibida de comer alimentos muito pesados.
- Sim, mas vamos de ônibus. Os taxistas daqui são muito mal-educados.
- Rapaz?
- Oi, dona.
- Tenho um pedido.
- Chega de croissants, não venderei mais para a senhora!
- Ah, não é isso. É outra coisa.
- O que é?
- Casa comigo?