Almoço de domingo. O patriarca na ponta da mesa, a matriarca
no lugar mais perto da pia. Família conversando, “verdades” sendo ditas por seu
Ricardo, como sempre. Seu Ricardo vai falando, sempre muito certo e irredutível,
sobre como o horário de verão é uma coisa ótima para todos. Foda-se a economia
de luz, o que importa é que o todo mundo gosta do horário de verão. Até o
momento da surpresa.
- Não concordo – disse dona Lurdes
Choque geral na mesa. A dona Lurdes não concordando com alguém, especialmente o marido?
Inacreditável.
- Não concorda, é? – perguntou seu Ricardo, fingindo
superioridade.
- Não concordo.
- Posso saber o porquê?
- Porque acho chato, ruim.
- Cadum, cadum.
O clima na mesa continuou pesado, mas dona Lurdes não parou.
- Cadum, cadum nada, Ricardo. Tu não quer reconhecer que eu
posso estar certa.
- Lurde, te aquieta, tu tá bem fora da casinha hoje. Eu gosto
do horário de verão, tu parece que não gosta agora, tudo bem então. Tu não tem
que ser contra mim!
- Ah, Ricardo, faz-me o favor! É sempre a mesma palhaçada,
grito, e todo mundo que enche a cara deixa a louça para quem não bebe. Mas eu
te digo uma coisa, Ricardo, tu não pensa (e aí dona Lurdes se levantou fazendo
barulho, para escândalo silencioso de todos à mesa) que eu vou aguentar isso
até o final desse horário.
Alguns tentaram intervir, mas foram calados pelo dedo em
riste apontado tenebrosamente para cada um, sem um olhar sequer, enquanto dona
Lurdes fazia uma avalanche sem fim de “te põe no teu lugar, ô animal”. Seu
Ricardo, atônito, olhava para os filhos esperando ajuda, mas ninguém sabia
direito o que fazer.
- Quem sabe a gente come sobremesa agora, para acalmar os ânimos.
- Não.
Ninguém vai comer a minha sobremesa.
E dona Lurdes
levou a travessa de mousse de limão para a sala e chamou só os netos
para comer junto com ela.
O horário de verão desconcerta as pessoas, para o mal e para
o bem.