Largou a
navalha na pia, para deixá-la de molho na água com sabão neutro. Esperou um
pouco, secou de leve a lâmina e colocou-a no forno esterilizador, pois, para
uma profissional como ela, higiene é tudo. Até que apareceu um rapaz na porta.
“Pois não?”, perguntou Marisa. “Eu precisava de uma depilação, mas não consegui
vir no horário de trabalho por causa da aula”, disse o adolescente. Mais um
adolescente, pensou Marisa. Ainda assim, ela aceitou depilar o rapaz, porque
estava precisando de dinheiro para um programa de extensão em depilação.
O curso de
depiladora já era habilitação suficiente, pois hoje em dia é muito raro
encontrar um profissional da beleza especializado. Entretanto, Marisa queria um
diferencial, o mesmo que a destacava quando era mais moça e era excelente em
jogos de videogame, sendo conhecida (um pouco pejorativamente) de Rainha do
Joystick. Ela queria ser reconhecida por sua excelência em alguma coisa também
na fase adulta, queria ser lembrada pelos clientes e concorrentes como “Marisa,
a depiladora alguma coisa”. Depois de várias pesquisas sobre tipos diferentes
de depilação, ela encontrou uma forma absolutamente trivial, mas extremamente
ousada: depilação à lâmina. Ela chegou a passar duas semanas nos Estados Unidos
para dominar a prática, em um curso patrocinado não-oficialmente pela Procter
& Gamble.
Claro que os
homens ficavam extremamente apavorados. Apesar da necessidade da ereção para
fazer a depilação, os homens broxavam só de ver uma lâmina de navalha chegando
perto da virilha. Ela, sem inibições, pedia para os clientes pensarem em alguma
coisa excitante, e até disponibilizava algumas revistas eróticas, e, entre
Playboys e G Magazines, Marisa conseguia terminar o serviço.
Infelizmente,
Marisa estava cada vez mais ficando sem clientes, perdendo para Veets e ceras
quentes. Por isso precisava fazer programa de extensão, e por isso precisava
depilar o rapaz. Além do mais, depilar adolescentes meio tarados a fazia lembrar dos tempos de
juventude, nos quais transava com todo mundo e jogava jogos da Nintendo, muitas
vezes ao mesmo tempo (o que muito ajudou a estabelecer a alcunha dúbia de
Rainha do Joystick,)
O jovem
cliente fora de hora era como todos os outros da idade: já vinha excitado sem
saber que precisava, ficava envergonhado de ficar deitado no colchonete
vestindo apenas a camiseta de uma banda punk, e perdia completamente a tara
após ver o brilho da lâmina. Marisa achou apropriado emprestar ao rapaz um
hentai, aqueles mangás eróticos, porque era o que mais excitava jovens que nem
ele. E dito e feito. Ela passou o creme para a lâmina deslizar melhor, e
começou o trabalho. Ela passava a navalha delicadamente no pênis do rapaz,
puxando um pouco a pele para tirar uns pelos mais difíceis, quando o rapaz deu
um pulo, parecido com uma convulsão, e Marisa acabou deixando a navalha escapar
da mão.
O corte era
ínfimo, apenas um susto, mas o urro do adolescente fez Marisa pensar que tinha
castrado o coitado. Logo que o susto passou, e um pouco de sangue escorreu,
esclareceu-se a situação: o rapaz havia ejaculado por conta da carícia nada sexual
que Marisa havia feito. O rapaz xingou Marisa com todos os palavrões possíveis,
Marisa deu um tapa na cara do rapaz berrando que “não sou prostituta, pirralho
punheteiro!”. Mas esse era o risco que se corria por depilar um adolescente de
pau duro com uma porra de uma navalha, puta que pariu.
O rapaz pediu
para ficar sentado no colchonete por um tempo, até que a dor passasse. “Qual o
teu nome?”, perguntou Marisa. “Pode me chamar de Link.”, disse. “Que nem o
personagem do jogo Zelda?”. Link ficou assombrado de ver que a depiladora
conhecia o jogo. “Não me olhe com essa cara, moleque! Eu não sou tão velha, já
joguei muito Zelda na minha adolescência!”, disse Marisa. Link, sério, olhou
para Marisa e disse “sabe, dona Marisa” “dona, não” “sabe, Marisa, isso me
poupa muitas explicações. Estou muito feliz de ver que a senhora” “senhora,
não” “você conhece sobre os problemas do reino de Hyrule”. Hyrule?, pensou
Marisa. Ah, o reino onde se passa os jogos de Zelda. A depiladora ficou prestando
atenção no tom sério do rapaz. “Sua fama chegou até nós. Fama de ser manusear
de forma habilidosa a navalha. Precisamos de sua ajuda no reino de Hyrule”.
Marisa, apesar de confusa e rindo por dentro, disse para o rapaz que queria
personificar Link continuar. “A ocarina do tempo, um instrumento vital para mim
e para a princesa, foi roubada por capangas de um mestre que não conheço. Para
atravessar a floresta que circunda o castelo onde repousa a ocarina, precisamos
dos especialistas, de qualquer data e qualquer lugar, nas artes de domínio de
objetos cortantes. A senhora, dona Marisa” “senhora, não, nem dona” “você,
Marisa, é a pessoa mais hábil com a navalha que já conheci”. Algo em Marisa
queria bater no moleque idiota, mas ela se levou pela brincadeira. “Mas faz
pouco que eu te cortei”, disse a depiladora. “Me cortou porque eu cedi
sexualmente, e intencionalmente. Não queremos pessoas infalíveis, queremos os
melhores humanos”, disse Link.
De repente, a
sala toda brilhou em verde, um portal resplandecia na parede, e do outro lado,
o reino de Hyrule. E o jovem punheteiro estava, do nada, vestido com trajes
verdes e um barrete na cabeça. “Vamos, don... Marisa. Nos ajude a resgatar a
ocarina do tempo”. Marisa estava em dúvida se acreditava no que via. Era uma
mulher madura, e, portanto, pessimista, e estava receosa em entrar no portal.
Lembrou dos tempos de vício no jogo Zelda, dos tempos de Rainha do Joystick,
mas será que uma mulher adulta deveria arriscar em uma tolice que poderia nem
ser verdade? O tempo para dúvidas estava acabando, e Link já estava
aguardando-a impaciente para cruzar o portal e supostamente chegar em Hyrule.
“Você vem ou não, Marisa? Nosso reino precisa de você”. Mas e o trabalho, e as
dívidas, e o curso?
Grandes merda,
pensou Marisa. Ninguém marcou horário para amanhã mesmo.