quinta-feira, 3 de julho de 2014

Quem já foi rainha não perde o fio e a Majestade (ou: Link e a depiladora em crise)

Largou a navalha na pia, para deixá-la de molho na água com sabão neutro. Esperou um pouco, secou de leve a lâmina e colocou-a no forno esterilizador, pois, para uma profissional como ela, higiene é tudo. Até que apareceu um rapaz na porta. “Pois não?”, perguntou Marisa. “Eu precisava de uma depilação, mas não consegui vir no horário de trabalho por causa da aula”, disse o adolescente. Mais um adolescente, pensou Marisa. Ainda assim, ela aceitou depilar o rapaz, porque estava precisando de dinheiro para um programa de extensão em depilação.
O curso de depiladora já era habilitação suficiente, pois hoje em dia é muito raro encontrar um profissional da beleza especializado. Entretanto, Marisa queria um diferencial, o mesmo que a destacava quando era mais moça e era excelente em jogos de videogame, sendo conhecida (um pouco pejorativamente) de Rainha do Joystick. Ela queria ser reconhecida por sua excelência em alguma coisa também na fase adulta, queria ser lembrada pelos clientes e concorrentes como “Marisa, a depiladora alguma coisa”. Depois de várias pesquisas sobre tipos diferentes de depilação, ela encontrou uma forma absolutamente trivial, mas extremamente ousada: depilação à lâmina. Ela chegou a passar duas semanas nos Estados Unidos para dominar a prática, em um curso patrocinado não-oficialmente pela Procter & Gamble.
Claro que os homens ficavam extremamente apavorados. Apesar da necessidade da ereção para fazer a depilação, os homens broxavam só de ver uma lâmina de navalha chegando perto da virilha. Ela, sem inibições, pedia para os clientes pensarem em alguma coisa excitante, e até disponibilizava algumas revistas eróticas, e, entre Playboys e G Magazines, Marisa conseguia terminar o serviço.
Infelizmente, Marisa estava cada vez mais ficando sem clientes, perdendo para Veets e ceras quentes. Por isso precisava fazer programa de extensão, e por isso precisava depilar o rapaz. Além do mais, depilar adolescentes meio tarados a fazia lembrar dos tempos de juventude, nos quais transava com todo mundo e jogava jogos da Nintendo, muitas vezes ao mesmo tempo (o que muito ajudou a estabelecer a alcunha dúbia de Rainha do Joystick,)
O jovem cliente fora de hora era como todos os outros da idade: já vinha excitado sem saber que precisava, ficava envergonhado de ficar deitado no colchonete vestindo apenas a camiseta de uma banda punk, e perdia completamente a tara após ver o brilho da lâmina. Marisa achou apropriado emprestar ao rapaz um hentai, aqueles mangás eróticos, porque era o que mais excitava jovens que nem ele. E dito e feito. Ela passou o creme para a lâmina deslizar melhor, e começou o trabalho. Ela passava a navalha delicadamente no pênis do rapaz, puxando um pouco a pele para tirar uns pelos mais difíceis, quando o rapaz deu um pulo, parecido com uma convulsão, e Marisa acabou deixando a navalha escapar da mão.
O corte era ínfimo, apenas um susto, mas o urro do adolescente fez Marisa pensar que tinha castrado o coitado. Logo que o susto passou, e um pouco de sangue escorreu, esclareceu-se a situação: o rapaz havia ejaculado por conta da carícia nada sexual que Marisa havia feito. O rapaz xingou Marisa com todos os palavrões possíveis, Marisa deu um tapa na cara do rapaz berrando que “não sou prostituta, pirralho punheteiro!”. Mas esse era o risco que se corria por depilar um adolescente de pau duro com uma porra de uma navalha, puta que pariu.
O rapaz pediu para ficar sentado no colchonete por um tempo, até que a dor passasse. “Qual o teu nome?”, perguntou Marisa. “Pode me chamar de Link.”, disse. “Que nem o personagem do jogo Zelda?”. Link ficou assombrado de ver que a depiladora conhecia o jogo. “Não me olhe com essa cara, moleque! Eu não sou tão velha, já joguei muito Zelda na minha adolescência!”, disse Marisa. Link, sério, olhou para Marisa e disse “sabe, dona Marisa” “dona, não” “sabe, Marisa, isso me poupa muitas explicações. Estou muito feliz de ver que a senhora” “senhora, não” “você conhece sobre os problemas do reino de Hyrule”. Hyrule?, pensou Marisa. Ah, o reino onde se passa os jogos de Zelda. A depiladora ficou prestando atenção no tom sério do rapaz. “Sua fama chegou até nós. Fama de ser manusear de forma habilidosa a navalha. Precisamos de sua ajuda no reino de Hyrule”. Marisa, apesar de confusa e rindo por dentro, disse para o rapaz que queria personificar Link continuar. “A ocarina do tempo, um instrumento vital para mim e para a princesa, foi roubada por capangas de um mestre que não conheço. Para atravessar a floresta que circunda o castelo onde repousa a ocarina, precisamos dos especialistas, de qualquer data e qualquer lugar, nas artes de domínio de objetos cortantes. A senhora, dona Marisa” “senhora, não, nem dona” “você, Marisa, é a pessoa mais hábil com a navalha que já conheci”. Algo em Marisa queria bater no moleque idiota, mas ela se levou pela brincadeira. “Mas faz pouco que eu te cortei”, disse a depiladora. “Me cortou porque eu cedi sexualmente, e intencionalmente. Não queremos pessoas infalíveis, queremos os melhores humanos”, disse Link.
De repente, a sala toda brilhou em verde, um portal resplandecia na parede, e do outro lado, o reino de Hyrule. E o jovem punheteiro estava, do nada, vestido com trajes verdes e um barrete na cabeça. “Vamos, don... Marisa. Nos ajude a resgatar a ocarina do tempo”. Marisa estava em dúvida se acreditava no que via. Era uma mulher madura, e, portanto, pessimista, e estava receosa em entrar no portal. Lembrou dos tempos de vício no jogo Zelda, dos tempos de Rainha do Joystick, mas será que uma mulher adulta deveria arriscar em uma tolice que poderia nem ser verdade? O tempo para dúvidas estava acabando, e Link já estava aguardando-a impaciente para cruzar o portal e supostamente chegar em Hyrule. “Você vem ou não, Marisa? Nosso reino precisa de você”. Mas e o trabalho, e as dívidas, e o curso?

Grandes merda, pensou Marisa. Ninguém marcou horário para amanhã mesmo.